Nostalgia
Eu tenho 27 anos. Os 28 estão na esquina, faço em Setembro.
A anorexia é uma doença competitiva, mas também foi um lugar onde encontrei muito apoio. O diagnóstico na nossa época era dado a partir do peso, mas muitas das meninas que conheci foram, assim como eu, pessoas que nunca alcançaram os 50 kilos. A grande maioria. Lembro de seguir um blog de uma menina que lutava pra manter os 46kgs e ela parecia uma musa distante. Me pergunto como está hoje.
Eu tinha 16 anos quando criei o meu primeiro blog pro-anna. Era virgem, insegura, muito sozinha. Uma adolescente gorda, bem fora do padrão mesmo. Não estou falando de um lugar de disforia - a verdade é que eu sempre tive uma miopia muito alta (hoje em dia beirando os 11 graus) e portanto usava óculos grossos, pele e cabelos mau cuidados e, é claro, era acima do peso. Consideravelmente acima do peso. Talvez uns 78 ou 79 quando comecei, não tenho certeza. Lembro que me senti bem magra quando alcancei os 74. Via no emagrecimento uma forma de ser validada. Era a minha esperança.
Então, é aí que vem a parte curiosa. Não me sinto mais nem metade tão insegura quanto antes. Nem mesmo consigo fingir que o meu padrão de beleza são as thinspos magérrimas que eu guardava em pastas super escondidas do meu computador. Trajetos irregulares até alcançar uma pasta de nome escuso. Cinturas brancas em lingerie, o princípio dessa estética que os jovens hoje chamam de e-girl. Eu não fantasio com essas imagens mais. Então porque eu sinto TANTA falta desse tempo?
Por que aos 27 anos, com um apartamento próprio, morando sozinha numa capital, com um emprego razoavelmente decente e um namorado que me ama - por que, POR QUE eu ainda procuro por "ed tiktok compilation" no youtube? De vez em quando eu garimpo hashtags que sobrevivem à moderação do tumblr (#an0rex11a, #tinspootips). Desço a timeline, vejo que é tudo igual. É tudo tão igual que parece que as adolescentes de hoje tentam de alguma forma reproduzir o fantasma do que nós um dia fomos.
Talvez seja um pouco de ressentimento das adolescentes. Pela juventude que nunca mais terei, pelos dilemas escolares que hoje em dia soam leves e nostálgicos. Inveja do metabolismo também, é claro. Mas creio que o ressentimento é para além da inveja, é pelo desperdício de geração. Eu vivi a minha infância nos '00, a era das modelos. Eu comecei a contar caloria imediatamente assim que me ensinaram a calcular. Com 7 anos de idade eu subia e descia as escadas do prédio com a intenção de emagrecer. Fazia abdominais em frente à TV enquanto assistia o seriado de Clueless na Nickelodeon, isso quando ainda tinha dentes de leite na boca.
Eu não tive Kardashians como referência de beleza. Eu tive Kate Moss. Eu tive a moda das cinturas baixas. Minha mãe me chamava de gorda, enquanto me dava coca-cola na mamadeira. Não havia compreensão sobre alimentação saudável como se tem hoje em dia. Me entupiram de aspartame desde a primeira infância, e se hoje em dia eu tenho uma síndrome de absorção metabólica pode ter certeza que é consequência não só de tudo que já vomitei e deixei de consumir, mas também do tanto de "blanquet light" socado de sódio que minha família consumia jurando ser ultra-saudável.
Não quero ser gatekeeper de nenhum transtorno mental, mas a anorexia não parece um pouco... datada?
A verdade é que apesar do meu ressentimento - porque sim, eu adoraria ter vivido minha adolescência numa época mais consciente e menos violenta, eu cada vez mais tenho certeza que qualquer transtorno alimentar é muito além da disforia. A maioria de nós nem mesmo é disfórica. Aquela imagem super clichê da menina magrela se enxergando gorda num espelho é um tropo bobo que foi criado. A maioria de nós consegue compreender a aparência que tem, consegue discernir o que parece saudável ou não.
A anorexia não é sobre magreza. É sobre controle.
O jejum e a fome são um vício: o ício por controle. E também é sobre se diminuir, ficar pequena, leve, fluída, menor. Há algo de auto penitência. Uma cobrança eterna - privação e controle.
Com o tempo os números deixam de fazer tanto sentido pra mim, mas sinto falta de anotar as dietas. Sinto falta de ver os meus meses ganharem um significado. Uma coisa legal do jejum é que ele dá significado ao tempo ocioso: diferente de todas as outras coisas da minha vida que dependem de um comportamento ativo, o emagrecimento pode ser totalmente passivo. Deixe de comer. Só isso.
Saudades da vida que tive, mesmo ela tendo sido horrível. De voltar da escola e ver um filme que baixei na noite anterior. Da vista pra praia. Do quarto climatizado com ar-condicionado. De ter sonhos gigantes. Hoje em dia sou tão cínica.
Falando em cinismo, penso também em como funciona a internet atualmente. Hoje em dia é tudo sobre autopromoção e cinismo, antes era vulnerabilidade e anonimato. Nunca que iriamos expor nosso rosto falando sobre dietas malucas, mas dedicávamos parte importante do nosso dia respondendo umas às outras. Comentários longos e compassivos. Lugar de escuta.
Acho muito improvável esse blog vingar, mas se fizer companhia à pelo menos uma das minhas já será o suficiente. Amo vocês, sem exageros.
Este é o antigo: anabeeperfect


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